segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Uma reflexão carnavalesca

Quando era criança eu morava no interior da Bahia e lá também tinha o costume de festejar Momo.

Claro que, há mais ou menos 50 anos atrás, a festa não era, como até hoje não é, nem nem de longe a sombra do que é a festa em Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, etc...

Eu, como toda criança, gostava da festa e ia às matinês no único clube social da cidade. A matinê começava às 15h00min e terminava às 17h00min.

E adorava ver os "cordões" de Dona Filhinha (formado com moças) e de Nem (formado com rapazes) desfilarem ao som de bandas de música na rua principal da cidade. Saiam por volta das 17h00min e terminava mais ou menos às 19h00min.

À noite (de domingo, segunda e terça) tinha "baile" no clube, mas só para os adultos, onde era permitido usar lança-perfume. Eu tinha a maior curiosidade de saber como era esse tal de lança-perfume que criança não podia nem falar quanto mais chegar perto e tive a maior decepção quando cresci e aos 21 anos, quando, finalmente me foi permitido ir ao meu primeiro baile no clube, e descobri que lança-perfume, não lançava perfume coisa nenhuma, mas um jato de algo que se borrifava num lenço, cheirava, ficava tonto e provocava um "estado de euforia" fora do normal.

Quando vi as pessoas usando e reagindo de forma estranha, nem me interessei em saber qual era a sensação e nunca cheirei a tal de lança-perfume.

Bom, voltando à infância... nós, na cidade do interior onde eu morava, éramos submetidos à educação religiosa da igreja católica e, naquela época, se fazia a primeira comunhão aos 07 anos e se passava a fazer parte de um grupo denominado Cruzada Eucarística.

Todo ano a Irmã Superiora do convento da cidade, que também comandava a turma da Cruzada Eucarística ia ao clube verificar quem estava na matinê do carnaval para retirar do "antro de pecado" as crianças - que eram praticamente todas - e claro que aí vinha um castigo e penitências.

Sempre fui muito teimosa e questionadora e isto me causava muitos problemas, porque além de me recusar a sair do clube ainda ia à rua ver os "cordões" de Dona Filhinha e Nem. Claro que a Irmã Superiora comunicava ao padre o meu comportamento e o meu castigo era sempre mais severo do que o das demais crianças.

Num determinado ano eu fiz tanta pirraça à Irmã Superiora que ela foi imediatamente no seminário, chorando e aí o padre foi lá me buscar. Quando eu cheguei no salão paroquial, além da Irmã estavam também minha mãe e minha madrinha me esperando. Aí foi muito bom: Eu me sentei, ouvi tudo o que todos queriam dizer e no fim eu perguntei:"Posso falar?" Para minha surpresa me concederam a palavra, coisa que nunca tinha acontecido.

Então me dirigi ao padre e perguntei: "O senhor pode me explicar qual é o pecado que comete uma criança ou um adulto que vá à festa - de carnaval ou qualquer outra - apenas para se divertir sem estar interessada em praticar qualquer má ação, seja contra si mesma seja contra as outras pessoas?"

Seguiu-se um silêncio. O padre tamborilou os dedos na mesa, pensou um pouco e disse: "Sendo assim, não há pecado nenhum".

Surpresa geral. As 03 olharam para o padre sem acreditar no que ouviram.

E antes que conseguissem abrir a boca eu voltei a perguntar: "Então, padre, eu posso voltar para a matinê? Eu também quero ver o cordão de Dona Filhinha e de Nem, posso?" Ele balançou a cabeça afirmativamente e eu não esperei mais nada, saí correndo antes que a Irma Superiora, minha mãe e minha madrinha pudessem por as mãos em mim (rsrsrsrs).

Hoje, 15 de feverei do ano de 2010, segunda-feira de carnaval, passados mais ou menos 50 anos desse fato - agora sou uma sexagenária que há muitos anos troquei a igreja católica por um Centro Espírita e milito na Doutrina, sem abrir mão do meu livre pensar, inclusive tendo em mente a máxima espírita "Fé verdadeira é aquela que pode enfrentar a razão em qualquer época da humanidade", abri o meu e-mail e me deparei com uma mensagem, sem indicação de autor, apenas com uma informação de que foi redigida com base nos capítulos 6 e 23 do livro Nas Fronteiras da Loucura.

Este e-mail me foi enviado por uma pessoa conhecida, que frequenta o mesmo Centro que eu.

Eu vou ter que ir ao livro citado para ler os capitulos a fim de formar melhor juízo. Entretanto posso dizer que quando li a mensagem, me veio imediatamente à lembrança o fato que narro aqui sobre a minha infância: Embora com palavras diferentes, o texto pinta um quadro aterrorizante do carnaval. Uma pessoa menos avisada que o leia, vai sair correndo e nunca mais vai querer ouvir falar da festa de Momo.

Não estou defendendo a festa, nem vou condená-la.

Do camarote que frequento todos os anos, vejo muitos atos de violência, mas vejo também a polícia - civil e militar - agindo para manter a ordem e possibilitar às pessoas brincarem em paz e com segurança. Percebe-se claramente que o número das pessoas que querem apenas se divertir é infinitamente maior do que o da quantidade que vai para praticar roubos e brigar.

Violência, atualmente, faz parte do cotidiano, não acontece só no carnaval. Por outro lado, não se analisam quatões como a cultura - este ano se comemora os 60 anos da criação do Trio Elétrico, por Dodô e Osmar e embora estes não estejam mais entre nós, os seus filhos liderados por Armandinho mantém viva e honram a memória do seu pai e do amigo. Como será que Dodô e Osmar, lá do mundo espiritual estão vendo este fato?.

Outra questão a ser analisada é a econômica, numa situação de desemprego e miséria em que muitas pessoas vivem neste país, o carnaval possibilita a criação de empregos e ocupações em diversas áreas, desde as tecelagens que produzem os tecidos, às costureiras que confeccionam os "abadás", à rede hoteleira que recebe muitos turistas, ao mercado informal que vende de tudo - comidas, bebidas e bugingangas mil na ruas, aos músicos que tocam nos trios, etc ,etc.

Me vem novamente o questionamento: Será que "as entidades das trevas" como diz o texto que recebi tem mais força e poder que os "Espíritos de Luz"? Será que a própria invenção do Trio Elétrico, das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, dos Blocos de Frevo do Recife e a indústria que se formou em seu entorno são obra de espíritos maus? Será que esse progresso não poderia ter a inspiração de um Espírito de Escol?

Para uma pessoa que tem um mínimo de senso crítico e que conheça um pouco da história das religiões e das suas filosofias, a leitura atual dessa festa ha´de passar pelo crivo da razão.

E por fim, penso que este texto está perfeitamente de acordo com o título do blog: Este é um Tema da vida e da morte. Literalmente.

Um comentário:

O Questionador disse...

Concordo com você, o que foi criado para gerar alegria, não pode ser criado por espíritos maus. Acredito sim, que as influências negativas podem se aproveitar para influenciar as mentes mais fracas para coisas ruins. Sempre fui carnavalesco, enquanto morei em Salvador, sempre gostei da esbórnia (rsrsr), como diria meu saudoso pai mas, sempre tive limites.
Vamos aguardar a pesquisa sobre o livro para talvez, uma nova reflexão. Abraços
César