sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Movimento pela Paz: Nossas reações como reflexos condicionados

 
Chega o fim do ano e, como acontece há 13 anos, no dia 19 de dezembro, na Praça do Campo Grande,  Divaldo Franco coordenou mais um evento de encerramento da campanha anual que realiza em diversos bairros de Salvador, e também em algumas cidades do Brasil e do interior da Bahia, denominada Movimento pela Paz .

É um trabalho de construção de uma cultura de Paz;  um momento em que se reflete sobre o significado da Paz para a sociedade moderna, na qual os índices de violência chegaram a tal ponto que vivemos encarcerados em nossas casas, com portas e janelas de grades de ferro trancadas a cadeado e circuito internos de TV gravando tudo as 24h do dia.

Se vivemos em prédios de apartamentos, estabelecemos tantas “regras de segurança” que chegamos ao cúmulo de não permitir nem que o mensageiro da farmácia adentre as áreas internas do condomínio para entregar os medicamentos comprados por telefone.

Não nos relacionamos com os vizinhos. Quando muito balbuciamos somente um seco “Bom dia” nos elevadores e depois baixamos a cabeça porque não temos nada para conversar com quem, objetivamente, não conhecemos, ou seja, é nosso vizinho, mora ao nosso lado, mas não o conhecemos, não sabemos quem é.

Se saímos de carro, são portas travadas, vidros fechados, ar condicionado ligado e nem olhamos para o lado. Se algum motorista comete qualquer deslize ao volante já é motivo do outro abrir o vidro do seu veículo e proferir palavras de ofensa ao outro.

Até que, no trânsito, não muito “barbeira”, mas se eventualmente acontece um deslize; para estes casos procedo com calma. Quando sou xingada, abro o meu vidro, olho nos olhos do outro motorista ,candidamente esboço um sorriso e digo: “Tudo bem? E a família, como está? Mande lembranças”. Na maioria das vezes eles olham para mim e ficam na dúvida, se eu os conheço ou se sou louca mesmo.

Mas a coisa complica é quando saímos a pé para ir à academia fazer ginástica, à padaria da esquina ou ao mercadinho do bairro. Aí, qualquer transeunte é um “assaltante em potencial”. Simplesmente não olhamos para ninguém, não cumprimentamos ninguém e entramos em pânico a qualquer movimento em nossa direção. Por este motivo, desenvolvemos comportamentos e reações  de medo, tão automáticos  e incontroláveis que beira  o ridículo.

Às vezes eu me questiono de que vale tanta leitura, tanto curso, tanta participação em seminários, palestras, terapias, etc se cada vez mais nos tornamos inseguros.

Não que eu faça apologia à falta de cuidado consigo mesmo e com a família. Mas eu me pergunto se algumas de nossas atitudes não estão muito mais incentivando a violência e a agressão e deixamos de ter atitudes que realmente promovam a paz.

Eu poderia relatar aqui “N” casos acontecidos comigo por conta da minha militância no movimento espírita e das minhas “ex” (bancária) e atual profissão (assistente social), já que ambas, são atividades de risco.

Porém, quero refletir somente no fato de ontem: Nesta época do ano, é período do encerramento das atividades do Movimento pela Paz, do natal e das festas do ano novo e ficamos todos – ou quase todos - envolvidos numa atmosfera e numa psicosfera de solidariedade que nos deixa como que de “espírito mais desarmado”.

E foi assim que ontem, 30 de dezembro, por volta das 16h00 saí a pé do prédio onde resido para ir ao salão de beleza. É perto, mas tem que atravessar a rua e andar uns 200 metros. Pus um pouco de dinheiro, um cartão de crédito, o “inseparável” celular numa bolsinha e lá vou eu. Não andei 50 metros e fui abordada por um homem negro de mais ou menos 50 anos, que me perguntou: “Senhora, sabe se aqui nesta rua tem algum prédio que precise de um funcionário? Pego qualquer serviço”.

No momento da sua abordagem, enquanto o homem falava, automaticamente, recuei um passo, segurei a bolsa e devo ter feito alguma expressão no rosto que o levou a me dizer: “Não se assuste. Não vou assaltá-la. Eu estou procurando trabalho”. E começou a chorar.

Disse-me que viera do interior – de Itabuna – procurar trabalho, porque lá não consegue uma colocação no mercado. Que estava morando de favor na casa de uma senhora no Bairro do Cabula, mas que não poderia ficar muito tempo porque a senhora é pobre e não tem como acolher mais uma pessoa em sua casa e que, naquele momento estava com fome, porque saíra pela manhã para procurar trabalho e não conseguira. Que fora à Rede de supermercado G. Barbosa, mas que precisou de um documento que custava R$ 6,50 para pagar a taxa e que não dispondo dessa quantia perdera a oportunidade.

Diante desse quadro e com a sensibilidade que a minha idade e experiência de vida já me possibilitou acumular, pude avaliar que se tratava de uma pessoa de bem, apenas desesperada. Mas, como a regra geral de comportamento social, nestas situações, nos ensina a ser prudentes, não abri a bolsa, preferi levá-lo na padaria, providenciei um lanche e a quantia que ele disse precisar para pagar a taxa do documento e mais o dinheiro do transporte, despedi-me e fui embora.

Como recomendava Santo Agostinho, tenho por hábito todas as noites, antes de dormir, fazer uma revisão do dia que se passou. Avaliar as minhas atitudes, ver o que não foi realizado conforme os ensinamentos de Jesus e fazer as mudanças de rumo necessárias.

No caso que ora trato, constatei que fui preconceituosa e agi conforme o senso comum: "se a pessoa é negra, a probabilidade de ser assaltante é maior" e fui quase indiferente ao seu problema: procurei resolver a necessidade mais imediata, sem me aprofundar na questão central.

Hoje, pela manhã, fui à Federação Espírita Baiana (FEEB) participar de um momento de meditação pela paz com base no livro Reflexões sobre a Paz, ditado por Roberto Assagioli (espírito) psicografado por Ruth Brasil Mesquita (psicóloga e militante do movimento espírita baiano) e, mais uma vez, o caso do homem de ontem me veio à memória e fiz uma nova avaliação do meu comportamento: em que medida eu agi corretamente ou não.

Daí porque retornando ao meu blog depois de muito tempo quero abrir com as pessoas que me seguem e com os amigos uma discussão para o ano de 2011:

"O que significa a palavra Paz para nós?"

“Por que falamos tanto em Paz e não somos capazes de praticar a não-violência sob toda e qualquer forma?”

De que forma podemos nos afastar dos condicionamentos que a sociedade nos impõe e nos transformamos em potência e em construtores da Paz?

Feliz 2011

Angélica


3 comentários:

Humberto Souza disse...

Angélica,
Relamente muito bonitas as suas palavras e reflexões, vivemos a era do medo e o que estamos fazendo para ajudar os, realmente, necessitados?
Há alguns anos tive uma experiencia diferente da sua, estavamos num supermercado, fora de nossa rota habitual quando um Sr. chegou pedindo ajuda para pagar um Taxi e tirar a filha do Hospital (o Hospital era próximo do Supermercado) Demos R$ 5,00 e um voto de recuperação e boa sorte. 3 m3ses depois, fui abordado pelo mesmo homem co m a mesma história, não me contive e perguntei quantas filhas o Sr. tem ou é a mesma que voltou ao hospital. Ele percebeu que notei o golpe e saiu do Supermercado.
Como acreditar ou não nas pessoas? Este é um dilema que precisamos resolver.
Hu beijo e feliz ano novo

Temas da vida e da morte disse...

Os espiritos que reencarnam no planeta Terra, em sua grande maioria, não são os de melhor qualidade moral, dai que vamos encontrar pessoas de todos os tipos: umas mais pacíficas, outras mais violentas; umas mais solidarias, outras mais indiferentes; umas mais honestas, outras mais desonestas, e assim por diante.

É muito difícil a gente olhar para alguém e poder avaliar se está dizendo a verdade ou não. Temos que confiar na nossa percepcão no momento da abordagem e decidir se o pedinte está sendo honesto e tem uma necessidade real ou se é apenas mais um tipo de golpe explorando a piedade alheia...

O caso que você cita é até bastante comum. Se de uma primeira vez a gente ajuda, podemos realmente estar colaborando para resolver um problema da pessoa , mais isto não depende de nós, depende de quem está nos abordando. Por outro lado se a gente não ajuda, podemos estar contribuindo para agravar uma situacão de penúria e, talvez, colaborando para o comentimento de um ato de desespero ou de delinquência.

Melhor termos a consciência tranquila de que fizemos alguma coisa por um semelhante do que um sentimento de culpa por descobrir, mais tarde, que podíamos fazer algo e não fizemos.

Aqui em Salvador tem uma senhora que pratica este tipo de exploracão da boa-fé das pessoas. Ela tem um filho que nasceu sem uma das orelhas. O garoto já está adolescente e desde que ele era bebê ela anda com este menino pedindo dinheiro para a cirurgia. A mim ela já deixou de abordar porque todas as vezes que ela me procura eu relembro que já a ajudei quando o garoto era bebê e usava fraldas.

Como você pode ver, este tipo de gente se encontra em todos os lugares, mas também tem muita gente or aí passando dificuldades e se constrange de pedir auxilio.

Vamos fazendo todo o bem que nos seja possível e procurando demonstrar aos desonestos - e desmascará-los - que não somos tão bobos quantos eles pensam que somos.

Bjs

Angelica

TododiaMaria disse...

Lindo seu blog, Angélica. Muito obrigada por seguir o meu e pelo gentil comentário. bjs.